Por Lisiane Cogo
Muito se ouve falar em blindagem patrimonial, holding patrimonial e outros instrumentos tendentes, prima facie, a resguardar o patrimônio pessoal de sócios de empresas.
Todavia, há que se ter muito cuidado na conclusão e condução de tais mecanismos, na medida em que não se pode assegurar a blindagem e proteção integral do patrimônio, mas sim a organização patrimonial de modo a atender os interesses das partes.
Isso porque há muito a jurisprudência vem aplicando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – consistente em combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, para salvaguardar seu patrimônio.
A desconsideração da personalidade jurídica é instituto excepcional, uma vez que foge à regra geral de desvinculação existente entre a pessoa física e a sociedade empresária da qual ela é sócia. É aplicada nos casos de abuso de personalidade, em que ocorre desvio de finalidade ou confusão patrimonial, hipótese em que os efeitos de determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Por outro lado, a desconsideração inversa da personalidade jurídica ocorre quando, em vez de responsabilizar o controlador por dívidas da sociedade, o juiz desconsidera a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigação pessoal do sócio. Em outras palavras, à vista do devedor, trata-se de manobra na qual o devedor esvazia o patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integraliza na pessoa jurídica, de modo a afastar os credores dos seus bens.
Há quem se oponha à tese da desconsideração inversa da pessoa jurídica, sob o fundamento de que tal instituto pode quebrar a harmonia das relações internas da empresa, gerar conflitos societários entre minoritários e controladores, fora os prejuízos diretos advindos, tais como imagem da empresa perante o mercado e ainda perante as instituições financeiras, onerando bens e direitos até então livres.
Até agora a desconsideração inversa se mantinha restrita à jurisprudência. E embora a tese favorável à desconsideração inversa já fosse acolhida pelo Poder Judiciário, a redação do Novo Código de Processo Civil (que entrou em vigor em março deste ano) encerrou qualquer discussão quanto a sua possibilidade, deixando claro em seu art. 113[1] que também é possível responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações assumidas de forma abusiva por seus administradores ou sócios.
Como se vê, a desconsideração inversa da pessoa jurídica tem por escopo reprimir o uso indevido da personalidade jurídica da empresa, daí o cuidado ao se falar em blindagem patrimonial, tendo em vista que uma vez comprovada a confusão patrimonial, o abuso de personalidade ou o desvio de finalidade, tal proteção é facilmente desconstituída.
[1] Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.